sexta-feira, 15 de abril de 2011

TDHA: Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade.



 No mundo da lua
Durante anos, crianças portadoras de TDAH foram tratadas como preguiçosas. Hoje, a partir de um exame clínico, é possível detectar e tratar o transtorno neurobiológico que está por trás de tantos problemas

Por Rita Trevisan Ilustração Luiz Lentini Fotos Fabio Mangabeira

Na sala de aula, ele se distrai com pouco, não consegue se concentrar na lição e pede para sair da classe o tempo todo. Em casa, esquece onde colocou o brinquedo, não responde às ordens da mãe e mostra-se extremamente agitado, iniciando diversas atividades ao mesmo tempo, porém sem concluir nenhuma. Esse menino, que até pouco tempo atrás seria duramente criticada pelos pais e teria seus sintomas ignorados pelo pediatra, já pode receber tratamento ao ser encaminhado ao neurologista ou ao psiquiatra infantil. Numa avaliação clínica, poderá receber o diagnóstico de TDAH, uma doença que atinge 5% das crianças no Brasil.
Afinal, o que é TDAH?

"O TDAH é um transtorno neurobiológico, de origem genética, e está relacionado à disfunção na região pré-frontal do cérebro, que é responsável por controlar os impulsos, inibir comportamentos inadequados e também pela capacidade de planejamento, organização, atenção e memória, entre outras funções", explica o psiquiatra Cesar de Moraes, coordenador do departamento de Psiquiatria da Infância e da Adolescência, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). "A prevalência é semelhante em diferentes regiões do mundo e há pelo menos 42 países que mantêm associações de portadores ou familiares da doença. Isso prova que o transtorno não é secundário a fatores culturais, ao modo como os pais educam os filhos. Trata-se de uma doença cujos sinais clínicos são evidentes", explica o psiquiatra Paulo Mattos, pós-doutor em bioquímica, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos maiores especialistas no assunto do país.

Diagnóstico é clínico
O preconceito que existe em relação à doença provavelmente está ligado ao fato de que as alterações que a TDAH provoca no organismo não podem ser diagnosticadas ou medidas por exames laboratoriais. "O que fazemos, em geral, é conversar com os pais e observar a criança, avaliando leitura, escrita, raciocínio, memória, atenção e outras funções executivas, por meio da aplicação de testes específicos. Em alguns casos, também pedimos um relatório da escola e de outros profissionais que atendem a criança. Além disso, é imprescindível que ela passe por uma avaliação física, para se excluir a possibilidade de que tenha uma doença de base interferindo na atenção, como um problema de audição", diz Moraes.
As informações prestadas pela escola são fundamentais para se fechar o diagnóstico. "É lá, e normalmente a partir do ingresso no ensino fundamental, que os problemas começam a chamar mais a atenção. E a professora, por lidar com crianças de uma mesma faixa etária, é uma das pessoas mais qualificadas para avaliar se a postura do aluno está realmente fugindo do padrão. A visão da família pode ser enviesada e, muitas vezes, como os próprios pais são portadores do transtorno, eles acabam avaliando o comportamento da criança como adequado para a fase", esclarece Mattos.
Assim como em outros transtornos, a TDAH tem vários graus, provocando sintomas mais ou menos intensos para cada criança. É necessário fazer o tratamento quando a falta de atenção e o excesso de agitação começam a prejudicar o rendimento escolar, o relacionamento social, o convívio com a família e até a própria autoestima da criança, que ganha apelidos maldosos.
O melhor tratamento
Quem faz o diagnóstico e acompanha o tratamento é um neurologista infantil ou um psiquiatra. O problema pode ser abordado por diversas frentes, e a terapia cognitiva comportamental é uma forma bastante eficiente de trabalhar, com a criança, o fortalecimento da autoestima e a adoção de hábitos que vão ajudá-la a contrabalançar a difi culdade que tem em se concentrar em uma única atividade por muito tempo.
 O tratamento psicoterápico também é fundamental para que familiares e professores estejam aptos a favorecer o desenvolvimento da criança que tem esse transtorno. "O primeiro passo é receber informação sobre a doença: o que é TDAH, quais são os seus sintomas e as dificuldades que o portador do problema apresenta. E, nesse sentido, as terapias individuais, familiares e até os grupos de familiares e portadores da doença podem ajudar. A desinformação prejudica a vida da criança e de sua família porque adia a solução do problema", alerta a neurologista Célia Roesler.
No entanto, o uso de medicamentos é fundamental para garantir uma mudança significativa de atitudes na criança. "Vários estudos provaram que a terapia psicoterápica ajuda a aliviar sintomas secundários. Porém os remédios tratam a causa do problema", garante Mattos.
Remédios que ajudam

Os remédios utilizados são feitos a partir do metilfenidato. "Costumo usar uma metáfora para explicar como essa droga atua: ela estimula a porção anterior do cérebro, que funciona como o maestro de uma orquestra, no caso, o cérebro todo. Na criança com TDAH, todos os instrumentos funcionam e todos os músicos estão a postos, mas o concerto nunca sai como deveria. Então, o medicamento ajuda a organizar o concerto, fazendo com que todos os músicos se empenhem na sua função, na hora certa e da maneira como deveriam", explica Mattos.
No ano que vem, uma nova classe de medicamentos deve chegar ao Brasil, desenvolvida com base em um composto conhecido como lisdexanfetamina. "Ela atua de forma bastante parecida com os remédios que já temos, mas é uma opção terapêutica para os casos em que o paciente não apresenta uma boa resposta àquele princípio ativo", diz a psiquiatra Evelyn Vinocur, coordenadora de um grupo de TDAH no Rio de Janeiro. "No Brasil, só encontramos as apresentações que devem ser tomadas diariamente. O que acontece é que alguns profissionais suspendem a medicação nos finais de semana e férias. Mas essa é uma decisão que varia de um médico para outro", complementa a neurologista Tatiana Freire Barbosa, especialista em TDAH, doutoranda no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas (SP).
O tratamento pode se prolongar por alguns anos e, normalmente, os resultados positivos aparecem nas primeiras semanas de uso. "Cerca de 80% dos pacientes, sejam crianças ou adultos, apresentam uma excelente resposta ao tratamento medicamentoso", garante Célia Roesler. Os efeitos colaterais são raros e, segundo os especialistas, tendem a diminuir à medida que avança o tratamento. Os principais são perda de peso, insônia, dor de cabeça e irritabilidade.
Em alguns casos, o acompanhamento de outros profissionais da saúde, como o fonoaudiólogo, também se faz necessário. Isso acontece, por exemplo, quando a criança apresenta outro distúrbio associado, como a dislexia (relacionada à dificuldade de ler e compreender textos) e a disortografia (transtorno ligado à expressão escrita).
O papel dos pais

O apoio da família à criança é fundamental para o êxito do tratamento. O mais importante é saber que o filho realmente tem um transtorno e precisa de apoio. "O erro mais frequente dos pais é achar que a criança faz de propósito. Esse tipo de crítica atrapalha o processo de recuperação, deixando a criança ainda mais ansiosa e, consequentemente, mais desatenta", alerta a neurologista Alessandra Freitas, que atua na Associação de Assistência à Criança Deficiente e no Laboratório de Distúrbios do Desenvolvimento da USP. "É preciso lembrar que 100% das doenças psiquiátricas infantis só são percebidas pelo médico por meio de uma avaliação clínica. Então, é preciso levar em consideração o que o profissional diz sobre a saúde do seu filho e sobre a necessidade ou não de tratar o problema", complementa o psiquiatra Paulo Mattos.

Reconheça os sintomas de TDAH
O Transtorno do Défi cit de Atenção e Hiperatividade tem seu quadro clínico baseado no tripé hiperatividade, impulsividade e desatenção, podendo haver predomínio de um ou outro sintoma. Agitação psicomotora, dificuldade de controle dos impulsos e na manutenção da atenção são os principais marcadores da doença. Mas há outros sinais. Veja alguns deles:
As crianças com TDAH, em especial os meninos, são agitadas e inquietas. Mexem pés e mãos, não param na cadeira, falam muito e constantemente sempre pedem para se retirar da sala ou da mesa de jantar.
Elas têm difi culdades para manter a atenção em atividades muito longas, repetitivas ou que não lhes pareçam muito interessantes no momento.
Distraem-se facilmente por estímulos do ambiente externo, mas também com seus pensamentos.
Nas provas, são visíveis os erros que cometem por distração: erram sinais, vírgulas, acentos etc.
Como a atenção é imprescindível para o bom funcionamento da memória, as crianças com TDAH, em geral, são tidas como relapsas: esquecem recados ou material escolar, aquilo que estudaram para a prova etc.
Tendem a impulsividade: não esperam a vez, não leem a pergunta até o final e já respondem, agem sem pensar.
Apresentam dificuldades em se organizar e planejar aquilo que querem ou precisam fazer.
Seu desempenho sempre parece ser inferior. É mais comum que os problemas na escola sejam de comportamento e não de rendimento (notas).
PRESTA ATENÇÃO, MENINO!
De maneira geral, qualquer problema que gere desconforto na criança, físico ou emocional, pode atrapalhar a sua capacidade de concentração. Porém há quadros específicos em que a falta de atenção é característica marcante, além da TDAH. É o caso da dislexia, por exemplo, um transtorno relacionado com a capacidade de ler e compreender textos. "Cerca de 80% dos disléxicos têm dificuldades no aprendizado", diz a neurologista Célia Roesler. Problemas de audição também podem estar por trás de um quadro de baixo rendimento, na escola, provocado pela falta de atenção. "A criança tem que ouvir e entender o que ouviu, para continuar interessada no assunto", explica Célia. O hipotireoidismo, a epilepsia, o autismo, o retardo mental, a síndrome de Asperger, entre outros, também cursam com a falta de atenção. Daí a importância da visita ao médico, para uma avaliação clínica.

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